domingo, 23 de setembro de 2007

Sonhos




"Presta-se sempre muita atenção às contas, à inflação, aos banqueiros, aos cardiologistas e aos ladrões que infestam as esquinas e espreitam bolsos e bolsas dos outros mortais. Presta-se ainda extrema atenção à guerra, aos políticos e às baleias ameaçadas de extinção. Mas e os sonhos? Andam por aí, passeando entre os nossos miolos e ninguém se preocupa com eles. Mesmo os psicanalistas já não os examinam com tanto desvelo. E, no entanto, os sonhos são o adubo e o alicerce do dia inteiro. Moldam a alma com a qual acordamos.

Dirás, leitor - sei lá o que dirás. Mas digo-te eu que é grande asneira ficar sempre apostando no real. Ele termina dois passos depois. O resto é o que trazemos na algibeira. Ou na alma, se quiseres. Tanto faz.

Assim, sábado, acordei com a dita alma transformada em bobo lodaçal. Nela, tudo afundava e nem fazia plop. Tentei todos os recursos normais - banho, caminhada, chope e meio, almoço em casa de amiga. Tudo em vão. Só a cama me tentava.

Graças a isso - e a certos sonhos bons, dos quais não me lembro - acordei, domingo, mais saudável que um pão de centeio - que é a coisa mais saudável que existe. Então, aproveitando o frio e a fome, fui com Mme. K. ao Pulcinella"


Apicius, Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1990.

Um comentário:

Anônimo disse...

adorei isso.

beijo. ótimo domingo.